24 de agosto de 2013

Um Paraíso Ecológico - Kep, Camboja

Por mais que meu bairro seja cercado de verde, tenho sentido nos últimos anos uma imensa necessidade de estar mais em contato com a natureza, de ver o orvalho da manhã nas folhas verdes, caminhar descalça, apreciar a luz do fim do dia no campo. Meu desejo se transformaria em realidade por uns dias na minha visita a Kep. Quando me dei conta da intensidade da experiência mesmo que carregada com uma pontinha de sofrimento, resolvi me calar e ser corajosa, afinal eu era a única culpada, que aspirava ansiosamente tal acontecimento já há algum tempo.  Que mais eu poderia fazer a não ser aceitar e agradecer o sonho realizado ao universo?

Do centro da vila, levava cerca de 15 minutos no tuk-tuk(*) por uma estrada muito esburacada para chegar ao “paraíso ecológico”. O caminho estava em tão mau estado que o motorista nem conseguiu chegar até a entrada; nos deixou no meio da estradinha de terra para seguirmos a pé até nosso destino.

A pousada, mantida a energia solar, fica no meio do Parque Nacional de Kep, num lugar chamado Jasmine Valley (Vale do Jasmim). Ao chegar, recebi uma limonada geladíssima, perfeita para aquele calor de 35oC . Enquanto desfrutava da bebida, ouvi uma conversa agitada na cozinha que aos poucos foi se transformando em um alvoroço: umas meninas gritavam, outra chegou correndo com uma vassoura, e outras acalmavam as mais nervosas. Não sei o que encontraram, mas imagino que tenham visto alguma coisa muito assustadora; afinal são todas locais e já deviam estar acostumadas, não é? Contive minha curiosidade e não perguntei nada. A pobre recepcionista depois chegou, se sentou bem tranquila como se nada tivesse acontecido e somente lançou um olhar em minha direção, para juntas compartilhamos um tímido sorriso.  

Escondidos em meio a uma vegetação exuberante, espaçosos chalés de sapé e cabanas de madeira no topo das árvores esperam por seus hóspedes.  Meu chalé era bem rústico, mas muito charmoso – a cama com estrutura de bambu, coberta com os famosos tecidos do Camboja, era super confortável e isso era o mais importante. Para o chuveiro com água fria eu teria que mudar o horário do meu banho; água gelada já ao levantar não dá para encarar, mas é uma delícia depois de uma longa caminhada num dia quente. Ah, que prazer ver pela janela meu mundo lá fora todo pintado de verde!   Mas uma cartinha de boas-vindas no quarto me deixou um pouco intrigada – dizia que era para guardar bem nosso sabonete, porque “os ratos do Vale do Jasmim são bem limpinhos e adoram comer sabonete”.  Natureza e pé no chão é uma coisa, mas eu particularmente não gosto nada de sapos, aranhas, lagartixas, e mesmo que limpinhos, ratos – sejam urbanos ou selvagens. 
  
Por conta de uma reserva de última hora, tivemos que mudar de acomodação no dia seguinte.  Uma linda cabana de madeira no alto com vista para o mar nos esperava... no andar de baixo um quarto extra, com poltronas de um design bem interessante, super confortáveis e perfeitas para relaxar e ler um livro.  O banheiro era um show a parte – ao ar livre, tinha uma pequena lona cobrindo somente a área da latrina, e de vez em quando podíamos ver uns sapos (argh!) se refrescando no grande pote de cerâmica usado para armazenar água.

Sentei numa das poltronas redondas e meia hora depois, quando olho pra cima vejo uma cabecinha com dois olhinhos me observando. Dei um baita pulo e na hora me lembrei do ocorrido na cozinha no dia anterior. Corri para chamar alguém, mas pra não dar muito vexame, disse calmamente: “Então moça, eu acho que tem uma cobra no meu quarto”.  Três jovens me acompanham, com todos apetrechos necessários, incluindo um livro de fotos da fauna local para identificar o intruso. Chegando lá, disseram:  “Ah, isso não é nada não, é só um “gecko”, assim como esse outro na parede atrás de você!” 
Quando vi o tamanho do bichinho, não acreditei, mas ela completou: “Estes são pequenos; você tem que ver um que vive na cabana aí do lado, é maior do que meu braço!”.


A noite cai e noto um importante detalhe: não era possível fechar bem as janelas, pois não tinham esquadrias, nem vidros, só uma persiana. Foi nessa hora que me dei conta que o nosso único escudo protetor seria o mosquiteiro sobre a cama.

Os geckos poderiam ir e vir o quanto quisessem, a verdade é que o intruso ali era eu, longe da minha selva de pedra. O que mais podia fazer a não ser tentar relaxar e não me apavorar? Acho que a chance de um lagartinho me atacar era bem remota, mas sempre tomava precaução para nem passar perto dessas criaturas. Comecei a me acostumar. Eles fazem um som bem interessante, como se estivessem rindo. E com certeza, deviam estar rindo muito de mim.

Aproveitei ao máximo a majestade da natureza presente nos dias que se passaram. As caminhadas diárias e a paradinha diária no Led Zep Café no parque fizeram meus dias super especiais, mas as noites eram sempre um pouco desafiantes; foram as 4 noites mais mal dormidas de toda a viagem.  A acústica que tinha no vale era impressionante; podia-se ouvir tudo! Na primeira noite, com exceção de uns grunhidos de um hóspede vomitando as tripas e outro fazendo sexo, pude apreciar a diversidade dos sons. Foi incrível perceber o quão diferente é o som dos animais ao anoitecer e ao amanhecer, uns chegam, outros se vão.  Finalmente consegui dormir, e em estado onírico, via uma pessoa tentando arrombar um carro enquanto soava um alarme de carro. Acordei, mas o som continuava... não é que existe um pássaro que faz exatamente o mesmo som de um alarme de carro e as 4 da manhã!  

Numa outra noite, nosso quarto foi invadido pelos famosos ratos do vale. Munidos de nossas lanternas debaixo do travesseiro, sob a telinha protetora, o que nos restou foi começar bater palmas e segundo a estratégia do meu querido marido: “vamos fazer uns sons de predador” pra espantá-los. Finalmente se foram, mas tive que segurar a vontade de ir ao banheiro a noite inteira pra não ter que descer e sair da cabana. Nas noites seguintes já comecei a sair no meio da noite com a lanterninha sem maiores problemas, mas confesso que todas as manhãs checava debaixo da cama pra ver se as ratoeiras ainda estavam vazias. A verdade é que no final o ambiente me parecia menos hostil lá fora.

Nesses dias em Kep refleti e me senti um pouco decepcionada de ver o quanto me pareceu estranha essa conexão com a Terra.  Como nossa vida nos grandes centros urbanos nos fez afastar da nossa essência e de respeitar e conviver de forma mais harmoniosa com a natureza? Além disso, estamos sempre na correria, agora vivendo rodeados com inúmeros gadgets eletrônicos para nos deixar mais conectados do que nunca, mas ao mesmo tempo sem tempo pra nos comunicar uns com os outros.  A desconexão parece ser constante no nosso dia-a-dia, mas será que a gente não enxerga isso tão claramente?

Não me importa não ter dormido bem por alguns dias. Mesmo com meus medos tão bobos, tive que aprender a me soltar, e fui aos poucos me libertando para interagir com aquele lugar o máximo que pude, porque afinal a gente só vive uma vez.

Finalmente meu último dia chegou. Naquela tarde vejo os cachorros da pousada passeando perto da cabana, e não é que um deles vem todo orgulhoso segurando um rato pela boca: Ah, meu cãozinho herói! Aquilo pra mim foi um presente, um sinal que minha última noite seria excelente, e mais uma vez com os sons da mata embalando meu sono.  E foi.  

Na manhã seguinte, resolvemos trocar o verde pelo azul - foi nossa chance de passar mais alguns dias em Kep, mas desta vez numa pousada em frente ao mar. Na próxima postagem, eu falo um pouco mais a vila de Kep, um lugar bem especial. 

(*) Tuk-Tuk é uma forma de transporte comum na Ásia; no Camboja é como se fosse uma carroça puxada por uma moto.

Onde a Vida Passa Devagar - Kep, Camboja



Kep, uma vila tão pequena quanto seu nome, fica situada na costa sudoeste do Camboja, e era um famoso balneário visitado pelas elites francesa e cambojana até os anos 60. Posteriormente, e durante os anos de atrocidade que o Camboja viveu sob o regime do Khmer Vermelho, muitas de suas casas de veraneio foram saqueadas e abandonadas. Há quase quatro décadas, continuam no mesmo estado de degradação, vazias, dando espaço somente a vegetação que toma conta das salas e quartos, onde um dia seus habitantes tiveram o prazer de acordar com a bela vista para o Golfo da Tailândia. 
A infra-estrutura local está pronta para receber os investimentos de resorts e turistas, mas por enquanto poucos visitantes aparecem por esses lados, comparando com a famosa vizinha, Sihanoukville, um dos principais destinos turísticos para explorar essa parte da costa. 


Eu não fui a Kep para tomar sol nem tampouco me banhar no mar. Muito menos fiz passeio às ilhas vizinhas, sendo a mais famosa a Rabbit Island (Ilha do Coelho). Até comprei a passagem do barco, mas fiquei um pouco doente na noite anterior; meu marido, que insistia para irmos à ilha há dias, disse que ele sabia que, lá no fundinho, eu não tinha a menor vontade de ir -- o que talvez era verdade.
Quando cheguei não tinha a menor idéia de quanto tempo iria ficar, mas me encantei em descobrir que já nos primeiros dias, Kep me desafiava: é um daqueles lugares para serem apreciados e vivenciados no seu ritmo natural, pura tranquilidade. Ou você se rende, desacelera, ou não aguenta ficar nem um par de dias por lá -- eu fiquei 9 dias. 

Tudo é muito calmo – não há muita gente nas ruas, em geral se pode encontrar uma pequena concentração junto aos quiosques de sape à beira-mar na hora do almoço e ao mercado de peixe. A grande atração do mercado é ver as cambojanas no entra-e-sai do mar: verificam se suas armadilhas de caranguejos estão prontas para serem retiradas d'água, atendem as clientes ansiosas que esperam para ver o que foi pego e que se acotovelam para ter prioridade na escolha dos maiores crustáceos, e depois levam os bichinhos restantes direto pros tachos já com a água fervendo, que são consumidos no local. 


No fim de semana a cena muda um pouco: os moradores da região levam suas crianças à praia. Mas imagine que o movimento na única prainha do centro se resuma ao redor de umas 15 pessoas tomando banho de mar, e mais algumas tirando fotos junto a famosa estátua da mulher nua. Até monges budistas com seu voto de castidade não resistem em tirar fotos junto a donzela de branco e os molequinhos não perdem a oportunidade de tocar tocar seus seios com mãos atrevidas...




Mesmo em modo 'relax', Kep ainda oferece muito para você ocupar seus dias:  caminhar nas trilhas do parque nacional; alugar um quiosque com redes em frente ao mar; ir ao mercado de peixe e degustar a especialidade da culinária local (caranguejos ao molho da mundialmente famosa pimenta de Kampot); tomar uma água de côco e ver o pôr do sol único; observar o cotidiano, os locais com seus costumes peculiares entre famílias e amigos; visitar os templos budistas da região e as vilas rurais.
O sorriso de seus mais queridos habitantes está presente, sempre.





Não sei se Kep voltará a todo seu esplendor do passado e se eu desejo isso, mas para mim é um dos pequenos paraísos na Terra onde a vida ainda passa bem devagar. 

25 de maio de 2012

Ópera Silenciosa - Londres, UK

Nunca fui muito fã de ópera, além de ser um espetáculo caro de se ver em qualquer parte do mundo, mas ao ler a agenda cultural desta semana fiquei interessada em assistir La Bohème - Ópera Silenciosa (Silent Opera).

Menos de 20 minutos de trem, chego a estação de Waterloo e é no subterrâneo deste lugar que tudo acontece – no Old Vic Tunnels. O teatro Old Vic, um dos mais prestigiados da cidade e cujo Diretor Artístico é o talentoso ator Kevin Space, adquiriu há cerca de 2 anos uma área dos túneis de Waterloo.
Num dos lugares mais inusitados de Londres, o excêntrico espetáculo é mais uma das performances alternativas e über contemporâneas que lotam o espaço todos os fins de semana.
credit: Blog.visit-london. com 
Passo por grafites e skatistas e finalmente encontro a pequena entrada dos túneis. Compro uma bebida e sento para notar a audiência. Vários jovens, casais, famílias, outros sozinhos. Um trio de góticos, nos seus 50 anos, senta-se na mesa a frente, mas não vieram para a ópera. Alguém anuncia que “Vampire Circus” vai começar e lá vão eles para a sessão de cinema. Uns dois casais beirando os 60, chamam minha atenção: elegantemente vestidos para a ópera e aparentemente perdidos, fora de seu ambiente tradicional em uma ópera tradicional!

19h30 e finalmente vai começar. Pego meus fones de ouvido e passo por diferentes cenários até chegar ao mezanino, decorado como se fosse um apartamento de jovens --- cheio de pufes coloridos, cadeiras, computador, guitarra, pôsteres de cinema e bandas de hip-hop, e até uma boneca inflável.  Aglomerada, a platéia ocupa todos espaços possíveis e, aos atrasados, só lhes restou sentar no sofá ou junto a mesa de jantar onde a ação com certeza iria esquentar.

Sem qualquer aviso, escuto o som cristalino pré-gravado da orquestra de fundo,  enquanto tenor, sopranos e outros entram em cena.  Os jovens boêmios são trazidos numa versão 2012, onde consigo visualizar pelo menos alguém conhecido em um daqueles papéis: um tatuador, uma cantora, um ativista, um hacker de computador, e Mimi, como estudante. Os diálogos incluem uma linguagem rotineira, com direito a gírias e alguns palavrões. Os jovens cantores, com um figuro simples (tem um com jeito de estudante da USP) e mostrando suas tatuagens, caminham, correm e interagem com o público, trazendo a experiência da ópera o mais próximo possível do seu ouvido e coração. Dramático, intenso, é desfrutar tanto talento nesta tão íntima proximidade. Finalmente, sentados em almofadas no chão, à meia-luz, testemunhamos a bela cena final com uma interpretação impecável da nossa Mimi, que nesta versão de La Bohème, morre de anorexia.

Tenho certeza que Puccini ficaria extasiado ao saber que após mais de um século, a releitura high-tech de sua ópera versão 2012 está ainda mais acessível a todos, mesmo que apreciada através de um simples iPod.

Mais informações: www.oldvictunnels.com
(Crédito Foto Túnel: flowizm website)

14 de janeiro de 2012

Lista para o Ano Novo I

Um ano novinho em folha e aquele monte de coisas que a gente quer fazer. Há uns anos atrás, ainda era fim de dezembro quando me perguntaram se eu já tinha feito as minhas "Resoluções de Ano Novo"...  Peraí, como assim? Aí pelo mundo parece ser norma escrever esta listinha do que você vai se comprometer a fazer e mudar no ano vindouro. Eu comecei a fazer a minha, mas fui um pouco além e coloquei umas coisas práticas também. Escutei risadas quando mostrei minha lista deste ano, pois uma das coisas que eu pus foi "to bake" -- sim, eu quero assar bolos, cookies, tortas e por aí vai!  Sou péssima com confeitaria em geral, melhor, sou um desastre. Já estou cansada de comprar sobremesas prontas, e esta é uma grande resolução pra mim!  Vale a pena escrever a lista, pôr na porta do seu armário e olhar todos os dias! A lista vai estar ali... você olhando pra ela, ela olhando pra você, e te cobrando as suas resoluções todos os dias; ou você começa a fazer o que se comprometeu ou com certeza você vai arrancar a lista, rasgar e jogar fora! Escrever sua Lista de Resoluções pra 2012 é minha dica daqui... pegue um papel e caneta e escreva, ainda dá tempo!

E falando em 2012, estou finalmente em casa! Meu desejo de continuar a conhecer o mundo está no momento em fase de hibernação. Não sei por quanto tempo, mas tenho a impressão que não será por muito. De qualquer maneira, estou radiante com minha volta a Londres. Ficar quase todo 2011 fora de casa me faz agora sentir uma turista no meu próprio bairro (de novo). Tem uma expressão muito usada em inglês que diz "Take Something for Granted". Isto significa que você tem alguma coisa disponível pra você o tempo todo, mas esquece o quão sortudo você é de ter isso.  Será que deu pra entender?

Hora de curtir todos os momentos da minha vida por aqui e começar outra lista de tudo o que ainda quero fazer por estas terras! Isto me lembra que há um tempo atrás fui almoçar com um casal de australianos que depois de morar aqui por 10 anos, estavam voltando para a Austrália. Eles tinham somente 2 semanas aqui e estavam loucos para fazer tudo o que não tinham feito em uma década... uma lista imensa de restaurantes, museus, ai ai ai. É engraçado ver como a gente vai deixando pra depois, e aí não dá tempo! A vida passa, né?

Cada vez que vou a São Paulo, faço uma lista do que quero visitar; esta última vez fiz algumas coisas, mas ainda tinha Museu da Língua Portuguesa, Museu do Futebol.... fui? Fui nada... saco!  Queria tanto ir a um restaurante e depois de enrolar um tempão quando resolvi ir, tinham fechado. Bati com a cara na porta. Bem feito.

Agora sim. Alma em repouso no lugar de onde posso chamar de lar, sem aeroporto, sem carimbos no passaporte. Melhor hotel do mundo, vista pra natureza e ainda por cima, com uma cidade mágica aos meus pés para começar a curtir e já! 

Pro povo de Sampa, do Rio, de onde seja no mundo, acorde um dia desses e olhe sua cidade com outros olhos, pare um pouquinho, veja outros ângulos, e você vai se surpreender. O cenário muda o tempo todo e como é bom aproveitar estas mudanças. Muda a gente.